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Motociclismo e sociedade

Surpresas do Motociclismo Estradeiro


11/07/2012 16h33

Sempre referencio minhas crônicas através das experiências vividas durante minhas viagens. Como nunca tenho horário pra chegar ao destino, me permito conhecer locais, pessoas e histórias que me levam a ter momentos de reflexão sobre o que é a nossa vida, o que é a nossa terra, nosso povo e o quanto me orgulho de ser um brasileiro.

No sertão baiano, próximo de Feira de Santana, numa daquelas retas infindáveis, avistei uma pequena estradinha, de terra batida, que começava numa porteira na beira da BR 101 e se estendia até uma pequena elevação onde, contrastando com o azul do céu, havia uma pequena casa, de cor avermelhada pelo barro, de onde saía uma fumaça branca típica dos fogões à lenha, sobre a qual me perguntei: Quem poderia morar naquele local tão longe de tudo e de todos? Quem ali conseguiria viver?

Como aventureiro, percorri aqueles mil e poucos metros de chão de terra quando, antes de chegar ao destino, tive a minha primeira recepção. Um velho cão, amarelado pela poeira, sem raça definida que, como se íntimo fosse, sequer latiu ou demonstrou qualquer medo por aquele ser estranho que surgia em sua frente ou mesmo pelo ronco do motor da moto. Com a calda balançando e um olhar curioso, me escoltou até aquele casebre de estuque. Logo que parei, tirei o capacete e quando retirava a bala-clava, tive a minha segunda recepção. Surge, saindo de dentro da pequena casa, uma senhora de estatura baixa, com a face curtida pelo sol e a pele bem enrugada, com um lenço branco envolvendo a cabeça, onde ainda apareciam alguns poucos cabelos brancos. Usava uma saia e uma blusa bastante envelhecidas e descoradas pelo tempo de uso, chinelos de dedo mostrando as unhas descamadas por fungos, um pequeno cigarro de palha no canto da boca (outro menor, e já usado, sobre a orelha direita) e com uma expressão corporal que evidenciava mais de nove décadas de existência.

Aquele primeiro contato visual foi cercado de muita curiosidade. Ela, por ver aquele estranho sujeito, todo de preto e tirando uma máscara e que chegara numa moto barulhenta onde, certamente se fosse um ladrão, nada poderia conseguir de valioso naquele local. Eu, por sua vez, mais curioso por querer saber como poderia viver, naquele local, uma senhora tão idosa, cercada do nada, sem nenhuma condição básica para uma sobrevivência digna ou com um mínimo de conforto e atenção que sua possível idade exigiria?

Após um rápido e educado cumprimento de “boa tarde senhora”, me apresentei e expliquei meus dois motivos para entrar, mesmo que sem permissão, naquelas terras tão longínquas. O primeiro era, apenas, conhecer quem ali poderia viver naquele fim de mundo e, como segundo motivo seria que, se havia fumaça saindo da casa é lógico que havia fogo, e se havia fogo poderia existir a possibilidade de um cafezinho.

Sem qualquer medo ou comportamento repressivo diante daquele meu abuso, aquela idosa senhora, de voz baixa e macia, identificou-se como D. Tercinha, de Natércia, seu nome de batismo e, após convidar-me para entrar e pedir que não reparasse sua casinha simples, disse: Vou passar um cafezinho pro moço.

Meus amigos, talvez em poucas linhas eu não consiga descrever a emoção que senti ao conhecer um pouco da história daquela baiana brasileira, criada, casada e enviuvada naquelas terras onde, as marcas do trabalho na lavoura estavam tão bem registradas no rosto, nos pés e nas mãos calejadas daquela heroína silvícola. Enquanto ela falava rapidamente sobre o tempo em que morava ali e que era atendida de quinze em quinze dias pelo proprietário das terras, eu observava a surpreendente forma como fazia o sugerido café.

Num velho pano de prato em forma de uma rede de dormir, com uma das extremidades presa num tronco que sustentava uma das janelas existentes e a outra extremidade segura pela mão esquerda, ela colocara certa quantidade de pó, torrado e moído por ela mesma. Em seguida banhou o pó colocado com água fervente jogada de uma chaleira empretecida pelo fogo do carvão. Ao mesmo tempo em que começava a cair o líquido ela torcia o pano como se fosse uma roupa para secar, deixando escoar aquele ralo café que já se misturava ao açúcar, tipo cristal, colocado anteriormente numa caneca de alumínio, essa bem diferente daquela chaleira de água, pois, brilhava muito com o reflexo da luz natural que entrava pela janela. Finalmente após os primeiros goles provados pude dizer, sem medo de estar sendo irônico ou debochado, que aquele rústico cafezinho era o mais saboroso e mais cheiroso que eu havia tomado em toda a minha vida, principalmente, por ter sido feito daquela forma, naquele estranho coador e por uma representante nativa ou um símbolo de coragem, de vida, de amor a terra e de brasilidade. Ao final, depois de muita insistência, consegui convencê-la em aceitar uma pequena gratificação que jamais pagaria o valor do aprendizado e da experiência adquiridos naqueles pouco mais de quinze minutos passados com aquela senhora.

Caros motociclistas;

Nunca esqueçam, em suas viagens por esse brasilzão que, onde quer que passemos, onde quer que cheguemos ou onde quer que pousemos, existirão sempre pessoas maravilhosas e de bem, pessoas que merecem o nosso maior respeito e carinho para que, ao deixarmos aquele local visitado, sejamos sempre lembrados como os aventureiros que por ali passaram e deixaram marcas profundas de amizade, carinho e amor com o próximo e para que, no ano seguinte, possamos voltar e ser recebidos com tantas novas histórias para ouvir mesmo que seja, apenas, durante uma rápida parada para um novo cafezinho.

Uma homenagem a tantos brasileiros anônimos ou desconhecidos, desses recantos por onde passamos e aprendemos sem nada nos cobrar.

Cel Dario Cony
30 textos publicados

Coronel da PMERJ, já aposentado. Motociclista Brevetado, com o CFoMES - Curso de Formação de Motociclistas Escoltas e Segurança, concluído em 1979 na Instituição. Como Capitão, foi Coordenador de diversos desses Cursos no Batalhão de Polícia de Choque (BPChq). Motociclista desde os 21 anos, é casado com Nádia Cony, e Presidente do Family Cony's Motocycle Group, RJ. Como experiente motociclista, é possuidor do Patch de 125.000 Milhas do HOG ( HARLEY OWNERS GROUP). Sua paixão são as estradas, as quais, curte com a sua conhecida " Negona III", uma Harley Davidson, Street Glide / Preta e Dourada, 2016. Seu sonho: Conscientizar os irmãos motociclistas que: " A Motocicleta é um meio de curtir a vida, e não, um objeto para buscar a morte".

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