Colunistas

Motociclismo e a sociedade

Um gesto de carinho num momento de aflição


03/09/2012 10h39

Tenho escrito histórias com relatos sobre fatos presenciados em minhas viagens e nos encontros e eventos frequentados.

Falo de paisagens, pessoas, lugares e tudo que julgo bacana dividir com os irmãos, porém, tenho esquecido de escrever sobre o nosso dia-a-dia nas grandes cidades, o que temos observado nas ruas e avenidas, sobre o comportamento dos pedestres, dos motoristas e motociclistas, alguns acidentes, enfim, não tenho escrito sobre o que ocorre e que geralmente vira notícia nos jornais através de matérias fornecidas pelos paparazzis que ficam de plantão nas ruas, com suas máquinas prontas para o sensacionalismo da mídia.

Mas hoje vou narrar um fato onde o mais marcante foi um gesto de carinho num momento de aflição.

Há duas semanas presenciei um acidente num cruzamento na Avenida das Américas, Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

O primeiro som ouvido e que nos desperta imediata atenção é o estridente barulho de uma freada causado pelo arrasto de pneus.

Quando esse som é muito prolongado, nos permite, até, movimentar a cabeça como num ato reflexo e de forma tão rápida na direção àquele som, que nos possibilita visualizar o restante da triste sequencia do ocorrido.

Seguidamente àquele primeiro som, ouve-se um segundo e, as vezes já esperado, produzido pelo inevitável impacto causado no acidente que pode ser um simples abalroamento, uma pequena colisão ou mesmo um choque com um obstáculo estático.

Porém nada é tão arrepiante, tão assustador e traumatizante, causando-nos, inclusive, a alteração em nossa respiração e imediata taquicardia, do que presenciar o atropelamento de um ser humano, de uma pessoa, de um transeunte, esteja ele a pé, motorizado, ou mesmo, numa bicicleta, sendo ela utilizada durante a ida para um trabalho ou mesmo durante um lazer.

Foi exatamente o presenciado por mim e por todos que ali passavam, ou seja, fomos testemunhas do atropelamento de um ciclista vítima de um irresponsável motorista numa Van.

A partir desse momento, são diversas as dúvidas, curiosidades e interrogações que nos tomam conta nos subsequentes minutos, ou sejam: Como aquilo pôde acontecer? De quem foi a culpa? Qual o estado de saúde daquela pessoa atropelada? Como chamar o socorro? O que fazer para amenizar aquele sofrimento? E o motorista, o que fazer com ele? Como desviar o trânsito? Como tentar avisar um parente? Como proteger aquela vítima e trazer algum conforto depois do ocorrido, etc..?

Independente das dúvidas surgidas, da cena presenciada, da mudança de rotina daquelas pessoas que por ali passavam, e até mesmo, constatando-se que foram poucas as escoriações sofridas pelo ciclista, algo muito marcante chamou-me a atenção e a de alguns curiosos.

Uma senhora, que havia acabado de sair de dentro de um carro importado, cuidadosamente estacionado no canteiro da via, aparentemente com pouco mais de sessenta anos de idade, muito bem vestida, elegantemente maquiada, ostentando algumas joias que contrastavam com a simplicidade das vestes daquele atropelado, (agora sabido ser um humilde trabalhador da construção civil), senta-se ao lado da vítima e, após apoiar a cabeça do ciclista em seu colo, passa a ter um comportamento carinhoso, fraterno ou quase materno, alisando aquele rosto escoriado e marcado pelo contato com o solo.

Como uma protetora nata, ela utilizava-se de uma fala mansa e com palavras extremamente otimistas que diziam para que ele ficasse calmo pois tudo sairia bem, que foi um grande susto e que , logo-logo a “Assistência” chegaria e que ele, o maior prejudicado, logo estaria pronto para seguir seu destino ao trabalho.

Tal gesto foi tão surpreendente que permitiu, a todos, observarem as feições daquele acidentado, ainda que com os lábios trêmulos e esbranquiçados e quase em estado de choque, se transformassem num misto de tranquilidade e esperança, pois, naquele angustiante momento de sofrimento e dor o carinho e o aconchego proporcionado, por aquela senhora, era o que ele mais precisava.

Tal simbiose durou até que as suas mãos fossem, inevitavelmente, afastadas naquela despedida, quando os paramédicos o colocaram dentro da ambulância ouvindo-se, finalmente, daquela senhora as seguintes palavras, “vai com DEUS meu filho”.

Durante a saída daquela mulher do local, aproximei-me e tive a oportunidade de ouvir uma pessoa perguntá-la, antes mesmo que entrasse no carro enquanto limpava com uma gaze algumas gotas de sangue que estavam no seu colo: - Moça, a senhora conhecia aquele rapaz?

Depois de alguns segundos precedidos por tanta emoção e por tamanha demonstração de afeto ao próximo, mais uma vez fui surpreendido com a seguinte resposta daquela senhora: - Não!

Mas, isso poderia ter ocorrido com um filho meu ou com um neto meu.

O que aquele rapaz mais precisava ali, naquele momento de dor e de pavor, era ter uma mão amiga ou a presença de sua mãe ao seu lado, e nem sabemos se ela ainda existe.

Ele vai ficar bem. Amigos motociclistas; Quem era aquela Senhora? Quem a colocou naquele lugar, naquele momento e naquele sinal de trânsito?

Ficamos sem saber quem era ela, mas certamente foi ali colocada pelas mãos do Supremo Criador.

Tal ocorrido foi noticiado na mídia através dos Jornais e do sensacionalismo televiso, porém, nada foi escrito sobre aquele comportamento ou sobre o gesto de carinho daquele Anjo, mas que ficará marcado na mente de todos que ali estavam.

Em nossa atividade, movida por essa paixão pelas duas rodas, devemos estar sempre cônscios de nossa obrigação com o semelhante e naturalmente preparados para atuar de forma prestimosa quer através de gestos de apoio e solidariedade ou mesmo com algumas simples palavras de carinho, conforto e de otimismo para quem precisa, pois, como recompensa, estaremos sempre sujeitos ao reconhecimento dos desconhecidos e a proteção de DEUS em nossas caminhadas.

Respeite as Leis, respeite o próximo. Boas estradas.

Cel Dario Cony
30 textos publicados

Coronel da PMERJ, já aposentado. Motociclista Brevetado, com o CFoMES - Curso de Formação de Motociclistas Escoltas e Segurança, concluído em 1979 na Instituição. Como Capitão, foi Coordenador de diversos desses Cursos no Batalhão de Polícia de Choque (BPChq). Motociclista desde os 21 anos, é casado com Nádia Cony, e Presidente do Family Cony's Motocycle Group, RJ. Como experiente motociclista, é possuidor do Patch de 125.000 Milhas do HOG ( HARLEY OWNERS GROUP). Sua paixão são as estradas, as quais, curte com a sua conhecida " Negona III", uma Harley Davidson, Street Glide / Preta e Dourada, 2016. Seu sonho: Conscientizar os irmãos motociclistas que: " A Motocicleta é um meio de curtir a vida, e não, um objeto para buscar a morte".

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